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sábado, 23 de maio de 2009

Zé Rodrix, multi-instrumentista, maestro e ótima conversa.


Hoje de manhã, abrindo e-mail de nosso amigo Pepe, do Via Fanzine, fiquei sabendo que nosso querido Zé Rodrix, mais conhecido por ter sido integrante do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, nos deixou, foi para um Universo Superior. De repente!... Como se encerrasse rapidamente uma conversa ou terminasse uma música e se mandasse...

Ele nos deixou com aquela vontade de continuar a prosa ou a música, coisas em que ele era tão competente. De humor cáustico, conhecedor profundo das músicas em suas várias modalidades, do pop/rock/rural ao erudito de vanguarda, Rodrix era um notável arranjador e compositor (mais conhecido pelo eterno hit “Casa no Campo”, composição dele em parceria com Tavito, eternizada na voz de Elis Regina).

Inteligência rara, ele conhecia tanto música, como literatura, teatro e se sentia à vontade na mídia, seja entrevistado em programas de tevê (Jô Soares e tantos outros), como de rádio (Bazar Maravilha e outros) ou entrevistas por toda a mídia. Aliás, a mídia se mostrou à altura de seu talento, dando hoje uma cobertura bem informativa e mostrando vários momentos marcantes da carreira deste grande artista que foi Zé Rodrix.

Desde cedo ele frequentou escolas de Música, se formou, estudou contraponto, regência, composição e orquestração. Aliou este conhecimento musical ao seu talento de trabalhar com criação, seja em teatro, na literatura ou na música popular, onde misturou a música erudita à popular (rock, pop, jazz, música mineira, rock rural e etc.). Aliás, muito nós conversávamos sobre vários assuntos, mas, principalmente, música, já que tínhamos formação e conhecimento musical semelhante, tanto no erudito como popular. Aprendemos muito um com o outro – eu, certamente, saí lucrando...

Esteve sempre presente em momentos importantes da música brasileira. Relembrando apenas alguns breves momentos de sua longa carreira, Zé Rodrix integrou, em 1966, o conjunto Momento Quatro, que se apresentou no III Festival de Música Brasileira da TV Record (1967) com a música Ponteio (de Edu Lobo), vencedora daquele festival.
Integrou a lendária banda Som Imaginário, que gravou o antológico álbum Minas, com Milton Nascimento (a música mais conhecida deste raro álbum, anterior ao Clube da Esquina, mas de uma competência musical inigualável, foi Para Lennon e McCartney). Zé Rodrix tocava piano, órgão, ocarina, percussão, além de cantar, escrevia vocais, arranjos elaborados e audaciosos.

O Som Imaginário, para quem não conheceu, foi uma das melhores bandas do Brasil na década de 1970, além de ter acompanhado Milton Nascimento e Gal Costa, tanto em discos, como em shows maravilhosos por todo o país. Ele chegou a gravar dois ou três LPs com músicas muito criativas e originais. Eu e Flávio (Venturini), que mais tarde fundamos o 14 Bis, não perdíamos um show deles quando apareciam aqui em Belo Horizonte. E nos influenciaram muito, principalmente, pelo fato de terem - como nós - dois tecladistas: Zé Rodrix e Wagner Tiso, que se harmonizavam de maneira única, mesmo com formações um pouco diversas.

No Som Imaginário, Zé Rodrix era mais pop/rock (confiram o fulgurante solo de órgão em Para Lennon e McCartney) e já Wagner Tiso, mais bossa-nova. Mas, ambos tinham um grande conhecimento de jazz, erudito e, junto com a viola de 12 do Tavito, a guitarra do Fredera e a fantástica ‘cozinha’ de Robertinho Silva na batera, Naná Vasconcelos na percussão e Luis Alves no baixo, eram uma banda de uma riqueza sonora e diversificada incrível, a ponto de criar um verdadeiro “som imaginário”.

Para quem se interessar, confira o Som Imaginário interpretando Feira Moderna (
ouça aqui), canção que eles defenderam num Festival Internacional da Canção. O vídeo não é dos melhores (a tecnologia de áudio/vídeo ainda não estava tão avançada como hoje – além de ser apenas um ensaio!). Mas dá uma idéia do som da banda e da interpretação de Zé Rodrix desta bela canção de Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant. Ou então, ouça (aqui) uma interpretação da mesma canção em uma versão de maior qualidade, com ele cantando ao piano, acompanhado de banda.

Seu trabalho no trio Sá, Rodrix & Guarabyra lançou o chamado rock rural, trazendo canções que se tornaram das mais executadas na década de 1970. Depois que o trio se desfez, Zé Rodrix se tornou sócio de um estúdio em São Paulo, onde compunha e orquestrava diversos jingles publicitários que veicularam no rádio e na tevê brasileira nos anos de 1970 e 80 e que caíram na graça popular da época Além disso, deixa uma vasta obra de composições e arranjos gravados.

Foi justamente num show que reuniu Sá, Rodrix & Guarabyra, Flávio Venturini e 14 Bis, no Chevrolet Hall, em Belo Horizonte, em 2008, que nos encontramos pela última vez. Para mim, foi a despedida de sua presença marcante, tanto no palco como nos camarins, com seus comentários argutos, rápidos e bem humorados, que dominavam o cenário.

O músico era muito querido pelos amigos e era visto como um brincalhão, um gozador e contestador. Quem quiser ter uma idéia da pessoa e do músico que foi Zé Rodrix, nada melhor do que
ler seu depoimento (impagável e genial, além de muito divertido) postado no Museu Clube da Esquina.

Pra terminar, queria dizer para você, Zé, esteja onde estiver: seu sacana (com todo respeito - risos...), ficou me devendo aquele inesquecível arranjo que fez de uma canção da Ópera dos 3 Vinténs. Mas pode deixar, aquele momento de música tão linda vai ficar para sempre gravado nos meus ouvidos e no coração. Assim como todas as tantas coisas bonitas, sábias e/ou irreverentes que você nos deixou.

Fique em paz e saiba que, para nós, foi um privilégio ter conhecido um ser humano e tão grande músico como você.


(Esse texto esta' tambem publicado no http://www.viafanzine.jor.br/site_vf/pag/tributo.htm )

5 comentários:

Billy T. disse...

Vermelho, eu ja disse isso a vc. Se vc nao fosse musico, seria escritor!
Tenho certeza que o Ze, onde estiver, ao ler o que vc tao bem escreveu sobre ele, tambem concorda.

Juca Camara disse...

Vermelho, meu velho, tb fiz este artigo que saiu no Terra Magazine. Abração e vamos em frente.

O silêncio e a paz de Jonas

Nas minhas primeiras idas a Salvador várias coisas me encantaram. Dentre elas, a escada rolante da Fundação Politécnica; o elevador Lacerda; a banana split da Lobrás; o cheiro das maçãs de uma banca perto do Cine Guarani; o vai e vem das meninas com suas calças azuis e desbotadas, e, principalmente, a imagem "de cinema" da televisão. Diante dela eu varava as noites e ficava até depois de encerrada a programação, apenas vendo o indiozinho da Itapoan piscando no escuro da sala. Mas tinha um programa em especial que me fascinava e me deixava vidrado diante da tela azulada da velha ABC. Chamava-se Som Exportação.

Foi nele que eu vi pela primeira vez uma turma que eu apenas conhecia de ouvir falar, ou então de algumas canções que conseguiam transpor a Serra do Padre e ecoavam pelas ruas de terra da velha cidade de Glória (BA) através do rádio e da difusora da praça. Desde Ivan Lins dizendo que o seu peito percebeu que o mar é uma gota comparado ao pranto seu, passando por Milton Nascimento - soltando a voz nas estradas -, até Elis Regina, implorando uma casa no campo pra poder compor muitos rocks rurais, tudo cheirava a novidade para olhos acostumados a ver parentes conversando sob umbuzeiros em flor, e ouvidos habituados a zumbidos de asas de colibris cortando as intermináveis manhãs.

Talvez por isso eu tenha me identificado de imediato com três cabeludos que apareceram por lá tocando uma levada diferente, que misturava o rock do Alabama com o blues de Minas Gerais, cujo resultado - dava para antever - fatalmente transitaria pelo Rio São Francisco, passaria por Pilão Arcado e Sento Sé, e desaguaria entre a montanha e o mar. Sá, Rodrix e Guarabira, eram seus nomes. O prazer foi todo meu.

No dia 22 de maio eu acabara de chegar a Campinas (SP). Ao entrar no hotel o som da TV dizia que Zé Rodrix tinha morrido. Noticia como essa não se pode receber em terras estrangeiras. Deveria tê-la sabido no sitio onde eu morei por mais de 25 anos. Foi lá que nasceram Luiza, Julia e Juca; foi lá que Valéria e eu plantamos mangueiras, goiabeiras e centenas de rolhas de vinho pelo quintal; foi lá que todo fim de semana os mesmos de sempre chegavam pra contar as mesmas histórias, beber a mesma cachaça, ouvir as mesmas canções, mas tudo de uma maneira que parecia a primeira vez.

Tem nada não. Já separei alguns discos, uma boa de Minas, umas Originais pra rebater, e neste fim de semana vou ligar para uns poucos que sobreviveram e ainda estão à mão, para uma última homenagem ao genial compositor e cantor que acabou de pegar uma carona pra cidade mais próxima. Certamente começarei ouvindo Mestre Jonas. Pra quem não lembra, ele é aquele que mora dentro da baleia por vontade própria. Até o fim da vida, até subir pro céu.

Janio Ferreira Soares é secretário de Turismo e Cultura de Paulo Afonso (BA).

Kellen disse...

Realmente !Grande Músico, compositor e escritor esse Vermelho ...
Passei aqui para rever coisas lindas suas , e tb para ler novas histórias , esperando novos encontros !!
bjos querido saudades suas !!
Abração Kellen

Quem ficou disse...

Excelente texto em homenagem a um excelente músico.

Abraços

Unknown disse...

Fiquei emocionada ao ler o seu texto ,somente um grande escritor consegue transmitir verdade e emoção ,clareza e coesão ao se expressar.Não conhecia esse seu lado e confesso que não me surpreendi,pois tudo o você faz sempre beira a perfeição.Adoro o seu trabalho ,não só no 14 Bis como também como compositor.Beijos Sua fã Blue